Projetos de reabilitação e a reinvenção do lugar: entrevista com Adriana Floret

Escrito por Romullo Baratto
Publicado em 14 de Abril de 2022

No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.

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Neste episódio Sara conversa com Adriana Floret sobre o Espaço Mira e Mira Fórum. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:

Sara Nunes - Vamos começar a falar da cidade do Porto porque a Adriana tem sido, nestes últimos anos, um dos rostos incontornáveis da reabilitação, em particular, da cidade do Porto. E por isso começava por desafiá-la a descrever o que mudou no Porto, desde 2001, altura em que fundou o atelier.

Adriana Floret - Mudou bastante, não é? Nós passámos aqui por uma série de avanços e recuos, principalmente na reabilitação. Lembro-me de que, em 2000, quando acabei o curso... quase ninguém falava de reabilitação. Isso não era um tema muito entendido como interessante. A cidade do Porto... lembro-me de passar pela cidade e de sentir uma tristeza e, ao mesmo tempo, uma vontade enorme de fazer alguma coisa porque não... era difícil de acreditar como é que edifícios... e uma zona tão bonita estava tão abandonada e num estado tão decrépito, não é? Porque tínhamos (e temos ainda) problemas graves no centro da cidade por resolver. E depois temos a situação... em 2005, temos a criação das SRUs (Sociedade de Reabilitação Urbana). A SRU da Porto Vivo foi das primeiras a serem criadas no país. Portanto, nós começámos por aí. Partilhámos um gabinete que dava apoio à loja de reabilitação e começámos por aí a perceber. Fizemos alguns levantamentos para a Porto Vivo. Fazíamos os estudos para a elaboração de documentos estratégicos, tínhamos de visitar prédios, quarteirões inteiros, no centro da cidade. E, por exemplo, percebíamos que na Rua do Almada vivia, num quarteirão inteiro, duas pessoas...

Projetos de reabilitação e a reinvenção do lugar: entrevista com Adriana Floret - Imagem 13 de 13 — © João Morgado

SN - Caramba! Duas pessoas!

AF - É... com uma idade avançada. Moravam quase no último piso, em condições muito más de habitabilidade porque nós tínhamos a noção ao fazer esses estudos, esse levantamento... de que a situação ainda era pior do que aquela que nós imaginávamos ao passar pela rua porque realmente, em pleno centro da cidade do Porto, conseguimos perceber quão mal as pessoas viviam naquela época. E, por aí, a reabilitação começou-se a falar muito na altura em que foram criadas essas SRUs pelo país e acho que, nesse aspecto, elas conseguiram fazer o papel para o qual estavam destinadas, que era tentar fazer com que a reabilitação e que as pessoas olhassem para o centro da cidade de outra maneira, não é? Por exemplo, nós tínhamos um caso de um edifício que visitámos na Rua de Mouzinho da Silveira. Das ruas, se calhar, das mais cobiçadas agora pelos investidores em que o proprietário dizia assim: “Você deve estar enganada. Eu não tenho nenhum prédio na Rua de Mouzinho da Silveira”. E eu: “Olhe que tem! (risos)”. Depois, o senhor liga-me e diz: “Afinal tem razão. Não tenho só um, até tenho dois!”. Para termos uma noção as pessoas, naquela altura, não davam valor nenhum ao prédio que tinham, não é? Pelo contrário, alguns até diziam: “Eu até dou. Quem quiser ficar com ele, eu até dou!”.

SN - (risos) Eu até me estou a rir porque é completamente diferente dos dias de hoje e não passaram assim tantos anos.

AF - Não. Exactamente! Por acaso, tenho a sorte ou o azar... sei lá... porque há coisas que são realmente más, mas que melhoraram bastantes nestes últimos anos... mas nós passámos por situações que, às vezes, as pessoas pensam que não é real, mas é verdade. As pessoas diziam: “Eu ofereço o prédio porque isto só me dá prejuízo. Não quero nada disto”. E agora temos uma realidade completamente diferente, não é? E ainda há pouco tempo tivemos a subida de preços brutal no centro da cidade, tivemos aquela fase também, no início da reabilitação em que os casais queriam voltar para o centro da cidade... ainda conseguiam comprar casas e até não ligavam muito aos carros e queriam era vir morar para o centro da cidade. Depois começámos a sentir... e nós vamos sentindo isso não só por aquilo que vamos vendo na cidade, mas também pelas encomendas nos projectos que nos vão fazendo.

SN - Sim.

AF - E as pessoas depois passaram para as guest houses... as pessoas, que começaram até a demitir-se ou a ficar sem trabalho, começaram a abrir os seus negócios pequenos. Nós chegámos a fazer guest houses com seis e sete quartos... coisas pequeninas. Depois começou a haver mais o hotel, não é? Aí projectos com mais quartos e agora temos a habitação outra vez. Voltou-se a falar da habitação porque a parte do turismo parou bastante com esta última questão relacionada com a covid-19. E as pessoas começaram a direcionar bastante os projectos já para uma área mais residencial e, inclusive, mais fora do Porto. Também sentimos isso... é engraçado que, em 2018/2019, lançámos o nosso livro. Engraçado porque fizemos 20 anos e sentimos que contou um bocado a história da reabilitação e do trabalho que fizemos no gabinete... e que está a virar bastante agora. Parece quase que estamos a contar outra história.

Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos: